— Pai? — Letícia disse, entrando na sala, interrompendo o sagrado Jornal Nacional de cada dia. — A gente vai precisar do carro emprestado hoje. A gente pode pegar?
Ela tentava não demonstrar o quanto se irritava de ter que pedir o carro. Ela preferia que seu irmão, Roberto, fosse pedir, já que ele é quem iria dirigir. Além do mais, quando ele pegava o carro emprestado, dificilmente o pai reclamava.
— Vocês vão pra onde, mesmo? — disse o pai, Arnaldo, com aquele tom quase indiferente de sempre, como se perguntasse apenas para mostrar a sua posição na hierarquia familiar, e não por querer saber.
— Pro apartamento da nossa amiga, a Ana Paula — Letícia disse, já percebendo como isso parecia uma má ideia. — Não vai ter muita gente lá, vai tá tranquilo.
— E vocês voltam ainda hoje?
Ela coçou a nuca. — É… talvez? Não sei, a gente não combinou nada a respeito disso.
— Fiquem com o celular ligado sempre — Arnaldo disse —, se eu precisar ligar. E se vocês mudarem de ideia, me avisem.
Letícia ficou aliviada com a resposta. Seu pai tinha aquele hábito de nunca dizer “sim” explicitamente, como se positividade fosse algo ruim. — Tá legal, pode deixar. A gente tá saindo daqui a pouco.
Ela já estava terminando de arrumar-se. Roberto estava no banho, e não deveria demorar para ficar pronto. Ela voltou ao quarto para secar e pentear os cabelos, coisa que ela costumava sempre fazer com música tocando. O ronco escandaloso do secador de cabelo cobria quase completamente o som da música, mas ela não se importava muito.
No meio daquele processo longo e tedioso, ela começava a convencer-se de que aquela era uma péssima ideia. Ana Paula queria mostrar aos amigos o seu apartamento, que ela recém comprara (com uma considerável ajuda dos pais). Não seria propriamente uma festa, e sim uma reuniãozinha com os amigos mais chegados. Letícia não sabia quem estaria lá—pouca gente, em tese—mas esse era o tipo de ocasião social na qual ela sempre acabava sentindo-se deslocada. Ana Paula, bem como a maioria dos seus amigos, não era uma pessoa desagradável nem nada disso, mas as conversas e assuntos eram quase todos alheios ao que ela sabia e gostava. Assim, sem poder contribuir nada, e nem acompanhar direito o que era dito, ela acabava fechando-se em si mesma, esperando o tempo passar. A única verdadeira salvação é que, nesse encontro, Janaína estaria lá também.
Letícia detestava Janaína; isto é, nos primeiros dias em que elas se conheceram, sete anos antes, quando Letícia tinha 13 anos. Fora numa festa de aniversário de um colega dela. Janaína era um ano mais velha, e Letícia nunca a vira no colégio. Por algum motivo, ela realmente detestava Janaína, e o jeito que ela tinha de conversar com os outros, de sempre se fazer presente e chamar atenção. Para Letícia, ela era apenas uma tremenda sabichona, esnobe e cheia de si; mas o curioso é que os outros pareciam gostar dela. Os meninos davam bola porque ela era bonita, com seus cabelos castanhos e longos, seus olhos verdes e sorriso fácil. As meninas ficavam ao redor dela porque ela sabia conversar e dar atenção a elas. Letícia sentia-se incapaz de puxar conversa e parecer agradável. Era como se os outros apenas tolerassem-na, ao passo que gostavam de Janaína de verdade.
Dias depois, elas se toparam no recreio, na fila do bebedouro.
— Oi! Eu lembro de ti! — Janaína disse, quando a viu atrás dela. — Tu tava na festa do João Pedro, né?
— Tava — Letícia respondeu, já de cara amarrada, tirando um dos fones de ouvido. Ela costumava ficar ouvindo o seu aparelhinho de MP3 portátil barato, que ela ganhara de presente de aniversário, durante o recreio.
— Tu é irmã do Beto, né? — Janaína disse, já na sua vez de beber água.
— Sou — Letícia respondeu.
— Eu achei ele tri legal — a outra respondeu, liberando o bebedouro para ela —, mas eu nem tive tempo de conversar contigo.
Enquanto bebia, Letícia pensava que elas mal teriam tido o que conversar na festa, e fora melhor assim mesmo. Ela terminou, e saiu caminhando em uma direção qualquer.
— Ô, espera!
Janaína foi atrás dela. Letícia já estava sem paciência, mas não conseguia ser rude—apesar de querer muito.
— A gente podia conversar — ela prosseguiu. Letícia apenas ficou parada, encarando-a, segurando o fone de ouvido que ela havia tirado. — Tipo… Me diz o que tu tá ouvindo, então.
Letícia percebeu que ela tinha uma grande chance. Uma das coisas que ela detestava em Janaína era como ela sempre queria explicar as coisas pros outros e mostrar o quanto ela sabia, mas agora era a vez de Letícia de mostrar que ela sabia mais.
— É um som que tu não conhece — ela disse.
— Ah, vai saber? — Janaína retrucou, dando de ombros. — Deixa eu ouvir então!
Letícia, irritada demais para dizer qualquer coisa, apenas consentiu em silêncio, entregando-lhe o fone. Janaína colocou-o no ouvido, e, poucos segundos depois, olhou para Letícia com uma cara de espanto.
— Eu não acredito que tu escuta isso também! — ela disse, abrindo um sorriso. — Eu achei que eu fosse a única!
Incrédula, Letícia franziu-lhe a testa. Só podia ser mentira. — Tu nem sabe que som é esse!
— Claro que sei — Janaína disse, sem entender. — Isso é Rush!
Letícia tentava esconder sua decepção; nem mesmo esse pequeno prazer ela poderia ter, pois Janaína já conhecia até sua banda favorita. Letícia descobrira Rush sozinha, na internet, e desde então esta se tornou a melhor banda do mundo para ela. Era coisa que ninguém mais no colégio inteiro sequer ouvira falar; mas justo Janaína, a sabichona da festa, conhecia.
— Qual é o nome da música, então? — Letícia insistiu.
— É Jacob’s Ladder — Janaína respondeu de pronto, com seu inglês capenga de ensino fundamental.
De fato, parecia ser verdade. Janaína conhecia Rush.
— Nossa, eu nunca imaginei que mais alguém aqui gostava de rock progressivo — ela prosseguiu. — Que legal! A gente devia ser amiga!
A ideia de ter a sabichona como amiga não lhe parecia muito agradável. Por outro lado, aquela era uma coincidência notável, difícil de ignorar.
— Como é que tu conhece Rush? — Letícia disse, ainda com aquele tom de completa descrença.
— Meu pai me mostrou — Janaína respondeu. — Ele ouve um monte de música, e eu acabo ouvindo várias também. Qual é o teu disco favorito deles?
Letícia pausou a música antes de responder. — Eu não sei exatamente. O Permanent Waves eu gosto bastante.
— O meu preferido é o Hemispheres — a outra respondeu. — Claro, eu gosto de quase todos eles, mas a gente quase sempre tem um favorito.
— Eu adoro esse também — Letícia disse, sem perceber como sua voz soava um pouco mais entusiasmada.
Letícia desligou o secador de cabelo, e o som da música voltou a dominar o ambiente. A memória daquele primeiro encontro com Janaína veio-lhe à cabeça, pois era Rush que ela estava ouvindo; só que, dessa vez, o disco era Roll the Bones, um da era “pop” da banda que ela esnobara durante tanto tempo. Ela ainda ouvia os velhos ídolos do rock progressivo de vez em quando, mas sem o fanatismo de outrora.
Ela se lembrava de como Janaína sempre sabia mais do que ela. Quando ela ainda estava absorvendo a época “progressiva” do Rush, Janaína já conhecia quase o catálogo inteiro, e inclusive de outras bandas. Naquele mesmo dia, no final da aula, as duas se encontraram na saída, e Janaína falou sobre o Genesis.
— Não, eu nunca ouvi — Letícia disse, sem muito interesse.
— Então ouve! Se tu gosta do Rush, to vai gostar bastante to Genesis também!
Letícia ficou ressabiada: Rush era a melhor banda do mundo, e ela não gostava da possibilidade de ter que mudar de opinião. Mas em casa, naquele dia, ela acabou rendendo-se à curiosidade e ouviu algumas músicas, e logo ficou encantada. Não, não era melhor que Rush, mas era ótimo também. Naquele momento, em seu íntimo, ela sentiu que Janaína seria uma grande amiga sua. E, de fato, ela foi, e continuou sendo durante toda a adolescência.
E sim, talvez Genesis fosse tão bom quanto Rush. Ou quase.
— E aí, teu pai reclamou de tu ter pedido o carro? — Roberto disse, engatando a primeira marcha, rumo ao apartamento de Ana Paula.
— Então, reclamar, ele não reclamou — Letícia disse. — Mas eu não sei se ele gostou muito da ideia, não. Tu é que devia ter pedido.
— Ué, por quê?
— Porque ele te respeita mais do que eu — ela disse, sem conseguir esconder uma certa mágoa.
— Não te esquece que ele é o teu pai — ele disse.
Ela suspirou, um pouco frustrada. — Tu sabe que eu não gosto que tu diga isso. Mas o caso é que tu é homem, tu dirige, tu tem emprego, e tudo mais. É óbvio que ele te respeita mais.
— Nada a ver — Roberto disse. — Tu é que vê dessa forma.
— Tu é que não viveu 20 anos na minha pele pra poder saber disso, tá legal? — ela retrucou. — Tu não sabe como é que é.
— Olha só, que tal a gente não falar mais disso? — ele disse. — Eu não quero que a gente azede a festa já antes de chegar.
Os olhos dela arregalaram-se. — Festa?
Ele estalou a língua. — Ah, “festa” é só modo de dizer. Vai ter acho que uma meia dúzia de gente só, incluindo nós.
— Ainda bem — ela disse. — Ah, a propósito, o plano é a gente voltar essa noite mesmo, né?
— Sei lá — ele respondeu. — Na hora a gente vê.
— Então, se a gente for passar a noite lá, a gente vai ter que avisar o pai — ela disse. — Mas dessa vez tu avisa!
Ele suspirou. — Tá, tá bom, eu aviso, pode deixar.
A porta abriu-se, e Ana Paula apareceu, seus cabelos loiros (artificiais) ondulados sempre tão familiares. Os olhos dela logo pousaram em Roberto, em um sorriso quase espontâneo. Ela deu um “oi” longo e melodioso.
— Que bom que vocês chegaram! — ela disse, recebendo Letícia com beijinhos no rosto, e Roberto, também com beijinhos no rosto. — Podem entrar, o pessoal já tá aí.
Letícia passou os olhos pela sala, com móveis e decorações elegantes—moderno, nada opulento—e logo sentiu o ar quase frio na pele. Não era surpreendente que o apartamento tivesse ar condicionado; ela só esperava não passar frio, debaixo se de seu vestido verde, adequado para aquela noite quente de novembro. Então ela viu as pessoas sentadas nos sofás e poltronas. Duas pessoas—um rapaz e uma moça, que ela conhecia só de vista, e que certamente não teriam assunto com ela—receberam-na com um aceno discreto, ao qual ela correspondeu. E então, sentada em uma poltrona, com uma taça de vinho tinto, Janaína deu-lhe um daqueles sorrisos enigmáticos que deixavam Letícia meio perplexa e admirada.
— Agora sim a festa tá completa! — Janaína disse, prontamente levantando-se da poltrona e envolvendo Letícia com seu braço desocupado, ainda segurando a taça na outra mão.
— Bah, não me fala em festa, por favor! — Letícia disse, entre beijinhos no rosto.
Sempre que elas se encontravam, elas se recebiam de forma quase fraterna, como quem alivia uma saudade de meses, mesmo que elas tivessem se encontrado no dia anterior.
— Ah, eu e tu, a gente faz a nossa própria festa — Janaína disse, sentando-se de novo na poltrona. Letícia puxou outra poltrona mais para perto e sentou-se.
— Vocês vão beber o quê?— Ana Paula disse para ela e Roberto; mais para Roberto do que ela, na verdade. — Tem cerveja, tem vinho; tem até um uísque escondido lá no meu quarto!
— Vê uma ceva pra mim então! — ele respondeu.
Letícia deu-lhe um olhar de espanto. — Beto, tu não vai dirigir depois?
— Ah, já começou — ele retrucou, virando os olhos.
— Não te preocupa, guria! — Ana Paula disse, com aquele tom despreocupado e tranquilo de sempre. — Ele é um guri grande e sabe o que faz. Aliás, se ele quiser passar a noite aqui — ela continuou, olhando para ele —, tem bastante espaço.
— A gente vê isso depois — ele disse, com um olhar enigmático.
— Eu só não quero morrer por tua culpa, tá legal? — Letícia disse a ele.
— Se eu quisesse te matar, eu teria feito isso há tempo, já.
Ana Paula riu, meio exagerada, e então olhou para Letícia. — E tu, vai querer o quê, linda?
Ela olhou de relance para a taça na mão de Janaína. — Eu prefiro vinho.
— Ótimo, eu já volto. — Ana Paula foi-se para a cozinha.
Um breve silêncio fez-se na sala. Letícia reparou na música que tocava suavemente; era algum MPB que ela não reconhecia. Os móveis escuros contrastavam com as paredes brancas e o piso claro; os estofados e a mesa com cadeiras no canto da sala, e até os quadros nas paredes, pareciam criar um único clima. Era diferente da casa dela, onde cada móvel era uma coisa diferente, e nada combinava com nada. Ela nunca se importou com isso, e decoração interna nunca fora um de seus interesses. Ela esperava não precisar dizer o que ela achou do apartamento, pois ela não saberia o que dizer.
— Então, eu só espero não me arrepender de ter vindo — Letícia disse, em voz baixa.
Janaína já estava acostumada com o jeito dela, e inclusive gostava da maneira como ela via as coisas e as situações, mesmo que algumas de suas atitudes deixassem-na perplexa às vezes.
— Ah, vai ficar tudo bem, Tita, não te preocupa!
— Então? — Ana Paula disse, chegando da cozinha com uma garrafa long neck de cerveja, uma taça e uma garrafa de vinho já aberta. — O quê que vocês acharam do apartamento?
Letícia permaneceu calada, esperando que alguém mais falasse. Ela não entendeu se a pergunta era para todos, ou só para ela e Roberto, que foram os últimos a chegar. A única coisa que Letícia pensou em dizer foi: “monocromático”.
— Eu achei é chique demais! — Roberto disse. — Tu tem bom gosto, hein?
— É, bom, os meus pais me ajudaram — Ana respondeu, entregando a ele a garrafa de cerveja. — E tu, Letícia? Gostou? — ela disse.
Ela titubeou por um segundo. — Ãh, sim, gostei sim, claro.
De fato ela não estava mentindo; embora o que ela gostasse mesmo era da ideia de ter um apartamento próprio, seja lá como ele fosse.
— Mas o bom mesmo deve ser a liberdade de ter um lugar só teu, né? — disse a moça que Letícia não conhecia. Letícia quase riu, pois foi como se ela tivesse escutado a voz de sua própria mente.
— É, liberdade mas naquelas, né? — Ana Paula disse, enquanto servia o vinho na taça de Letícia. — Meus pais disseram que eles vão aparecer por aqui de vez em quando, pra ver se tá tudo em ordem. Aí eu tenho que ter um pouco de cuidado, né? Não dá pra dar bobeira. Eu vou deixar a garrafa aqui pra vocês se servirem, tudo bem, gurias?
Ela se referia a Letícia e Janaína, largando a garrafa sobre a mesinha de centro.
— Pode deixar! — Janaína respondeu, sorrindo.
— Pois é — Ana continuou —, tipo, eu vou tá meio que sob vigilância, pelo menos enquanto eles estiverem me ajudando. É quase como morar em casa alugada, eu acho.
Letícia virou os olhos; até parece que Ana Paula entenderia muito sobre morar de aluguel. Mas, ao mesmo tempo, ela sentiu uma ponta de susto ao pensar em receber uma visita repentina dos pais dela, e ser flagrada rodeada de bebidas. Ela reparou no cinzeiro na mesinha, de onde Ana pegou um cigarro já aceso. Ela e a outra moça estavam fumando. Letícia detestava cigarros, e não tinha planos de experimentar um, certamente não naquela noite.
— Eu sei que eu já bebi — Janaína disse, sorrindo para Letícia e estendendo a taça na direção dela —, mas…
Letícia deu de ombros e tocou sua taça na de Janaína. — Saúde.
— Um brinde… à vida? — Janaína disse.
— A vida é uma causa perdida.
Janaína riu. De pronto, Letícia deu um gole. Ela não esperava que o vinho fosse seco. O amargor pungente da bebida tomou-lhe a boca inteira e paralisou-a por um momento. Janaína nem percebeu, mas Letícia se esforçava para não fazer uma careta. Talvez, ela pensou, ela não gostasse muito de vinho.
Os outros já conversavam sobre algum assunto que ela não conseguia acompanhar. Ela notou que o rapaz que ela não conhecia volta e meia olhava para ela, de um jeito meio desconfortável, como se ele não quisesse estar ali. Ela pensou que, se o encontro ficasse chato, talvez ela não seria a única com vontade de ir embora. Ele estava sentado junto com a outra moça, que ela não conhecia, em um dos sofás. Ana Paula e Roberto estavam no outro sofá, lado a lado. Eles conversavam com certa animação, enquanto a música continuava tocando. Ela reparou que o som vinha da televisão, afixada na parede, mas não sabia de onde vinha a música. Pelo menos era uma música calma e tranquila, sem qualquer clima de festa.
— Ó! — Janaína disse com o indicador erguido, e o olhar distante de quem apenas ouve. — É Vitor Ramil.
Letícia não demonstrou muita expressão. Ela parou para escutar a música por um instante, e apenas acenou com a cabeça. — Ah, é.
— Tu gosta?
— É… Conheço muito pouco — Letícia disse — mas eu gosto, eu acho.
— Bah, tem um disco dele que é maravilhoso — Janaína prosseguiu —, A Paixão de V Segundo Ele Próprio. Recomendo que tu ouça, é tri bom. Só que ele é meio difícil de encontrar.
Letícia sacudiu a cabeça, com certo deboche. — Quando é que tu vai deixar de ser hipster?
— Hipster? Eu?
— Sim, tu! “Ai, eu gosto desse disco porque ele é difícil de encontrar.” “Ai, ele é muito bom, porque não é mainstream.” É bem a tua cara, mesmo!
— Mas eu não disse isso — Janaína protestou. — Na verdade, eu acho uma pena que uma coisa tão boa seja tão pouco conhecida, assim.
— É, conversa pra boi dormir — Letícia disse.
— Ah, tá bom! Quer mais hipster do que tu? Tu gosta do In the Aeroplane Over the Sea — Janaína disse.
— Ué? E tu não gosta de In the Aeroplane Over the Sea! — Letícia retrucou. — Até isso é mainstream demais pra ti.
— Eu não gosto não porque é mainstream — Janaína respondeu. — É porque é ruim, mesmo.
Letícia riu.
As duas se lembravam bem dos dias em que se encontravam na casa de uma delas; geralmente na de Janaína, que era mais silenciosa. Nessa época, o pai de Letícia ainda era casado com a mãe de Roberto, e portanto a casa era ainda mais barulhenta. Janaína morava sozinha com o pai, e quando elas ficavam no quarto dela, raramente eram incomodadas. Letícia tinha 16.
Juntas, elas ouviam música no computador de Janaína. Letícia já havia migrado do rock progressivo para vários outros estilos, e insistiu para que elas ouvissem o maravilhoso In the Aeroplane Over the Sea, do Neutral Milk Hotel, que Letícia descobrira umas poucas semanas antes.
— E então? — Letícia disse com certo entusiasmo, ao final do disco —, o que tu achou?
Janaína permaneceu pensativa por um momento. — Eu vou ter que ouvir mais vezes, assim. Mas eu não gostei muito, não.
— Sério? — a outra disse, claramente um pouco decepcionada.
— Sim, sério. Tipo, não vi muito atrativo nas músicas, e eu achei os arranjos muito forçados, assim. Mas como eu disse, eu vou ter que ouvir de novo.
— Puxa, que coisa — Letícia disse —, eu achei que tu ia adorar.
— Ah, tu sabe que nossos gostos não são idênticos, né? — Janaína disse. — E ainda bem! É sempre mais interessante conversar com quem não pensa tudo exatamente igual, sabe?
— Sim, eu sei disso — Letícia respondeu. — Mas, sabe, agora eu tenho medo de detestar esse disco da próxima vez que eu ouvir…
— Que nada, Tita! — Janaína disse. — Tu é mais forte do que isso. Tu sabe muito bem pensar com a tua própria cabeça, ora!
— É, mas é que a tua opinião sempre conta muito pra mim, entende?
— Nem sempre, nem sempre. Lembra que eu adoro jazz, e tu não gosta.
— Mas não é que eu não goste — Letícia disse. — É só que eu não sei ouvir, entende? É diferente demais pra mim.
— Ah, mas eu já disse pra tu tentar ouvir algumas coisas mais dos anos 70, tipo o jazz fusion do Miles, assim — Janaína disse. — Ah! Lembrei duma coisa que tu talvez goste: o Jack Johnson, do Miles Davis. Ele é bem rock ‘n’ roll, assim. Acho que tu vai gostar. Eu mando pra ti por e-mail pra tu não esquecer.
— Tá bom — Letícia disse, com um sorriso distante. — Ou tu poderia colocar ele aí agora…
— Tu tem tempo?
— Tenho sim!
— Tá legal, então — Janaína disse, tomando o mouse do computador. — Deixa eu procurar.
Elas ficaram em silêncio por um longo momento.
— Sabe — Letícia disse, bastante insegura —, aquilo que a gente conversou ontem…
Janaína nunca entendera exatamente qual era o relacionamento entre Letícia e os garotos. Na verdade, ela entendia que não havia relacionamento algum entre Letícia e os garotos, mas ela não conseguia entender por quê. No colégio, a maioria dos garotos não tinha timidez alguma, e, para uma menina chamar atenção, bastava ser mais ou menos bonita. Janaína nunca teve dúvidas de que Letícia era bastante bonita, com seus olhos escuros, vivos, no rosto curvo e desenhado, os cabelos cacheados e negros, e o corpo delicado, de pele escura. De fato, Letícia era mestiça, e Janaína sempre achara curioso o fato de que toda a sua família era branca, menos ela; porém ela se sentia constrangida demais para perguntar sua origem.
Mas quando o assunto era garotos, Janaína não tinha vergonha nenhuma de conversar. Durante sua adolescência, ela via os garotos se aproximarem de Letícia e puxarem papo, e ela até respondia com certo entusiasmo e interesse, mas nenhum avanço acontecia. Nada ia adiante. Janaína até irritava-se, às vezes.
— Tá, e daí? — ela disse, depois que um garoto saiu de perto. — Tu tá só enrolando ele, ou tá te fazendo de difícil?
Letícia apenas franziu a testa. — Tu tá falando do quê?
— Ora! O Samuel veio dar em cima de ti, e tu fica nessa, não corta ele, mas também não corresponde. Não dá pra te entender.
— Dar em cima de mim? Tu tá é louca! — Letícia protestou. — Ora, imagina! Isso é só arreganho dele, não tem nada de mais.
— Ah, tá! — Janaína disse. — Se isso é só arreganho, então eu sou a rainha da Inglaterra. Até parece que tu te faz de cega.
— Nem vem com esse papo, Nana. Tu nem sabe o que ele queria comigo.
— Olha só, Tita, eu vou te explicar uma coisa, prest’enção: se um guri chega numa guria, não é pra fazer amizade, não é só pra arreganho, nem nada: cem por cento das vezes é pra pegar ela. Sempre. Não existe exceção. Confia em mim, eu já convivi o suficiente com eles pra saber disso.
Letícia deu de ombros. — Isso porque é assim contigo. Se tu fosse eu, tu ia pensar diferente.
— E o que tu tem de diferente? — Janaína disse, fingindo ingenuidade.
— Então, pra começar, eu não tenho qualquer atrativo — Letícia explicou calmamente. — E depois que eu não consigo nem fingir que eu tenho.
— Ué? E que atrativo seria esse? Eles só querem saber se tu é bonita, é isso que importa!
— E é por isso que tu te dá bem e eu não — Letícia respondeu.
Janaína abriu a boca para responder, mas, perplexa, não conseguiu pensar em nada. Na realidade, ela bem sabia que Letícia tinha razão, pois as duas não eram tratadas da mesma forma. Alguns rapazes declaradamente preferiam manter distância de Letícia, enquanto outros se interessavam por ela por simples fetiche pelas “morenas”. Felizmente, ambos casos não representavam a maioria, mas Janaína sabia muito bem que esse tipo de coisa não acontecia com ela, que era uma guria, sem adjetivos específicos.
Janaína já havia notado o rapaz que ficava olhando para Letícia, mas esta parecia estar concentrada demais na sua bebida e seus próprios pensamentos para ver.
— Tita, tu reparou no Márcio? — ela disse sussurrando.
Letícia olhou para ela, com a testa franzida. — Que Márcio? — ela sussurrou de volta.
— O que tá do lado da Mônica!
— Que Mônica?
Janaína suspirou, tentando reorganizar os pensamentos. — Aqueles dois que tão sentados no sofá.
Letícia espiou os dois de soslaio. — Eu não conhecia eles pelo nome.
— Tá, mas tu reparou nele? — Janaína disse.
— Sim, por quê?
— Tu viu que ele tá o tempo todo de olho em ti?
— Vi, sim — Letícia disse. — Ele deve ter reparado que eu sou a esquisita do grupo.
— Não te faz, guria! — Janaína disse. — Ele tá é a fim em ti.
Letícia suspirou. — De novo esse papo? Tu não enche o saco disso, não?
— Mas é verdade, ora! Eu aposto que, se tu der bola pra ele, ele vem aqui conversar contigo.
— Tu não quer que eu faça isso, né?
— Vai lá! — Janaína disse. — Tenta! É só olhar pra ele, demonstrar interesse. Tu vai ver.
Suspirando de novo, Letícia pensou que ela não teria opção. Ela olhou para o rapaz, até que os olhares deles se encontraram. O rapaz pareceu ficar agitado, e tentou disfarçar, desviando o olhar. Mas pouco tempo depois, ele olhou para Letícia de novo, enquanto ela ainda olhava para ele. Titubeando um pouco, ele se levantou e foi, meio inseguro, caminhando até ela.
— Tu é a irmã do Beto, né? — ele disse, de pé, ao lado dela.
— Sou, sim — ela respondeu, olhando para o braço da poltrona.
— Qual é o teu nome? — ele disse, após uma pausa.
— Letícia.
— O meu é Márcio.
Ela acenou com a cabeça. Ele olhou de relance para Janaína, que assistia à conversa dos outros três, mas ouvindo com atenção o que ele e Letícia falavam.
— Eu já tinha te visto outras vezes, em outras ocasiões — ele disse.
— Ah, legal.
Ele parou, bebeu um gole da sua garrafa de cerveja, e pensou no que fazer. De repente, ela se levantou, com certa vergonha.
— Eu vou no banheiro.
E então ela sumiu.
Janaína olhou para ele, um pouco constrangida, mas achando graça.
— Não repara, ela é tímida mesmo.
— Sabe — Janaína disse, sentada ao lado de Letícia na praça perto do colégio, depois da aula —, eu não sei qual o problema que tu tem.
— Que problema?
— Ora! Parece que tu tem medo de ficar com alguém. Tipo, tu já teve tanta chance, e tu desperdiça todas. É incrível.
Letícia deu de ombros. — Eu não sinto falta nenhuma disso.
— Não é por sentir falta — Janaína disse. — É por perder medo de tentar.
— Mas também não é bem medo. Eu só… sinto que eu não consigo. E eu não vejo necessidade de tentar, porque eu me sinto bem sozinha, puxa.
— Ah, quanto a isso tudo bem — Janaína disse, sorrindo. — Afinal, mesmo sozinha, a gente sempre consegue dar um jeito, assim… se é que tu me entende, né?
Letícia pausou por um momento, pensando. Janaína esperou por uma resposta, mas esta demorou para vir. — Acho que eu não te entendo.
Em descrédito, Janaína olhou para ela, pronta para rir. — Capaz que não!
— É sério — Letícia respondeu, um pouco constrangida. — Tu não… tu não tá falando de…
Ela franziu a testa, com um pouco de repulsa.
— De quê, guria? — Janaína disse.
— … tipo, de se trancar no banheiro, e…
— Sim, é claro que é disso que eu tô falando, ora! — Janaína olhou em volta, para certificar-se de que não havia ninguém por perto.
Letícia olhou para ela, com profunda estranheza. — Tu faz isso mesmo?
— Claro que sim, Tita. Por que tu acha isso tão estranho assim?
— Sei lá. Parece ser uma coisa que poucas gurias fazem.
— Bom, eu não sei quanto a isso — Janaína disse —, mas quem não faz não sabe o que tá perdendo!
— Tu acha mesmo que é tão bom assim?
— Por que é que tu não tenta, Tita? Aí tu mesma vai saber.
Letícia olhou para o chão, constrangia. — Sei lá, eu não sei se é uma boa ideia… Eu não sei nem se eu devia falar disso contigo.
— Ué, por quê?
Letícia franziu um pouco a testa. — Tipo, não é meio nojento, isso, duas gurias falando desse… assunto?
— Eu não acho — Janaína respondeu, dando de ombros. — Tu acha?
Letícia desviou o olhar. — Sei lá.
— Tá, mas por que tu acha que isso seria uma “má ideia”?
— Então, é que… vai que os meus pais me pegam? Se eu me tranco no banheiro por muito tempo, é capaz de eles irem bater pra me mandar sair.
— Mas faz no teu quarto, então!
— Mas eu tenho medo que eles me peguem no ato.
— É só deixar a porta trancada, ué!
— Não dá — Letícia disse, um pouco entristecida. — A porta não tem chave.
Janaína parou de repente. — Putz, que chato! Bah, aí é sacanagem.
— É, eu sei.
— Tá, mas olha só, faz o seguinte: espera todo mundo ir pra cama, apagar a luz e tudo, e vai pro teu quarto, pra tua cama, normalmente. Aproveita e leva um pouco de papel higiênico, se precisar limpar, assim. Aí espera tudo ficar quieto, não ter movimento nem nada, aí tira a roupa e começa. Mas vai com calma, tipo, vai devagarinho, sem pressa, assim. E claro, tenta não fazer barulho. Deixa rolar naturalmente. Quando tu terminar, põe a roupa e vai dormir, como se nada tivesse acontecido. Ninguém vai saber.
Letícia, pensativa, tentou construir a cena mentalmente, sem muito sucesso. Não dava para imaginar como seria. — E se alguém entrar no quarto bem na hora?
Janaína pausou. — No meio da noite? Eles costumam fazer isso?
Letícia deu de ombros. — É… Não muito, mas, sei lá. Eu não quero que eles me peguem pelada na cama, entende?
Janaína riu. — Até parece que teria algum problema com isso! Tu não costuma dormir pelada?
— Não, eu não — Letícia disse. — Se os meus pais entram no quarto de manhã e me veem desse jeito, ficaria horrível.
— Mas eles são teus pais!
— Por isso mesmo.
Janaína preferiu não prosseguir nesse assunto.
— Bom, mas esse problema tu pode evitar. Tu não precisa tirar toda a roupa. Tira só a parte de baixo, e fica em baixo da coberta. Não precisa nem tirar a calcinha, se tu achar melhor. Se alguém entrar, veste rápido a roupa, e era isso. Ninguém vai notar!
Letícia coçou a nuca. Ela não conseguia decidir se aquilo tudo realmente era necessário, ou sequer compensaria os riscos.
— É… Sei lá. Talvez eu experimente.
— Tu não vai te arrepender — Janaína disse.
Naquela noite mesmo, Letícia cogitou a possibilidade. Ela ficou em seu quarto durante grande parte da noite, após o jantar. A casa ia ficando menos barulhenta, mais escura, e ela pensou que, talvez, o momento propício estivesse chegando.
Depois de usar o banheiro, ela escondeu um punhado de papel higiênico na mão e entrou no quarto para trocar de roupa. Antes de vestir o pijama, ela se enxergou de relance no espelho da porta do roupeiro. Ela não dava muita bola para o seu próprio corpo, mas saber que ela teria a chance de explorá-lo, sozinha, sem a ajuda de ninguém, fez com que ela reparasse em si mesma um pouco mais. Quase por instinto, ela deslizou a mão direita pela barriga em direção à virilha, mas surpreendeu-se de súbito, constatando que ainda era cedo, e portanto, arriscado demais. Ainda ouvia-se o rumor da televisão na sala, e seus pais não haviam ido para a cama. Já era quase meia-noite! Por que eles não podiam ir mais cedo?
Sentindo um calor desconfortável por dentro do corpo, e uma tensão estranha atrás do pescoço, ela ficou tentando matar o tempo, lendo sem atenção um dos livros que ela tinha de ler para o colégio (A Hora da Estrela, de Clarice Lispector). Eventualmente, ela percebeu que a casa já estava em silêncio há algum tempo. Talvez fosse seguro. Sem fazer barulho, ela guardou o livro no armarinho de cabeceira, apagou a luz e voltou para a cama, metendo-se em baixo da coberta. Não estava muito frio, e ela poderia até ficar descoberta se quisesse.
Ao perceber que estava sozinha, no silêncio e no escuro do próprio quarto, ela começou a tremer. Havia algo de muito estranho, e talvez até errado, naquela situação. A simples ideia de começar a tocar-se, sem propósito nem objetivo, e sem imaginar como seria a sensação, causava-lhe medo, mas era um medo descabido, um certo receio de parecer ridícula, mesmo que ninguém estivesse lá para vê-la. O fato é que, por mais que ela quisesse tentar, não havia motivação para ela começar. Ela se sentia incapaz sequer de dar o primeiro passo. A vontade por si só não bastava. Faltava alguma coisa.
Foi então que ela se lembrou dos catálogos.
Já havia um bom tempo que ela não os via. Tentando não fazer barulho, ela se levantou e foi até o roupeiro, aproveitando a pouca luz que ainda havia no quarto, abriu uma de suas gavetas, enfiou a mão no meio das roupas, e apanhou-os.
Já tremendo, ela olhou para eles. Eram catálogos de roupas íntimas, que ela guardava há alguns anos. Ela não conseguia explicar por que ela tinha aquele interesse, e porque ela ainda guardava-os na gaveta, escondidos dos pais, mas era uma curiosidade forte e irresistível, da qual ela não queria livrar-se. Mas naquela noite, de forma súbita, aquelas imagens de rapazes fortes e sérios, com corpos bem modelados e quase perfeitos, exibindo-se em cuecas de estilos e cores diferentes, ganhavam um significado totalmente novo. Esse parecia ser o estímulo que faltava.
Ela voltou pra cama, ainda mais nervosa do que antes, deitou e começou a examinar aquelas imagens com um interesse bem maior e mais específico do que ela tivera até então. Aos poucos, o corpo dela começava a ficar mais relaxado e mais disposto, enquanto ela forçava os olhos para ver as imagens naquela pouca luz. Mais do que a dificuldade de visão, a escuridão do quarto causava-lhe um tipo de prazer novo e desconhecido. O que quer que aquilo fosse, ela sabia que ainda era pouco.
Um pouco tímida, Letícia baixou a parte de baixo do pijama. Ela conferiu se o papel higiênico continuava no lugar, ao lado do travesseiro, e, com um pouco de receio, pôs a mão sobre a barriga, massageando-a devagar.
Aos poucos, ela foi deslizando a mão para baixo, como ela fizera antes, mas com mais dificuldade ainda. Era como se, a qualquer momento, um alarme pudesse disparar em algum lugar da mente e ela abortaria a ideia de imediato, punindo-se e culpando-se por sequer pensar em algo tão estúpido. Lutando contra isso, ela foi empurrando a mão para baixo, até que os dedos alcançaram a vulva, por cima da calcinha. Uma sensação estranha subiu pela espinha e tomou-lhe o corpo de arrasto. Ela já estava arrepiada apenas com aquele simples toque, que ainda era pouco.
O sentimento ainda era de incerteza, mas ela continuava firme em seus movimentos titubeantes, e o olhar colado nas fotos de seu catálogo. Assim, ela continuou passando os dedos para cima e para baixo, sentindo a pequena entrada entre suas pernas. Era uma sensação esquisita, nem boa nem ruim, indecifrável. Ainda não fazia sentido o porquê de fazer aquilo. Ela cogitou desistir, mas as palavras de Janaína ainda soavam na cabeça. Talvez ela devesse dar um voto de confiança à amiga.
Com um pouco de insistência, ela empurrou os dedos contra a vagina, e começou a acariciá-la com mais força. A sensação agora era mais intensa, mais agressiva. Ainda era estranho, mas parecia bom. Ela tentou focar-se na sensação, que começava a ficar mais forte, e nas imagens daqueles homens e dos volumes que suas cuecas escondiam. Aos poucos, o corpo dela começava a querer reagir por conta própria, como se algo tomasse conta dele. A sensação era boa, talvez violenta demais para ser boa. Mas ela persistiu, enquanto folheava o catálogo.
Eventualmente, os dedos dela se moviam enlouquecidos, acariciando aquela parte tão sensível que ela nem sabia que existia. Seria aquele o clitóris? Era bom, mas era forte, intenso demais. Folheando o catálogo, ela então deparou-se com as fotos das mulheres, em suas lingeries de renda coloridas e sensuais. A sensação inicial foi de choque, quase constrangimento, ao ver algo que “não era para ela”. No entanto, aquela sensação boa não havia passado. Talvez ela estivesse até mais intensa. Isso lhe parecia errado, de certa forma, mas talvez não houvesse nada de tão mal. Afinal, Letícia era uma moça, e não seria “errado” olhar para o corpo de outras moças. De todo modo, as lingeries que elas usavam (principalmente as calcinhas, por alguma razão) pareciam-lhe eróticas e excitantes agora. Letícia, então, percebeu: ela mesma estava de calcinha, igual àquelas moças. Por um instante, mesmo que fosse mero faz de conta, Letícia poderia ser tão sensual e atraente quanto as moças do catálogo. Partes de sua mente pareciam acender-se do nada. Coisas dentro dela começavam a acordar sozinhas, e o próprio pensamento ficava feroz, incontrolável.
Quase por impulso, ela pôs a mão por baixo da calcinha e sentiu as partes íntimas em contato direto. O corpo dela reagiu de imediato, e ela quase deixou sair um gemido grosseiro, sofrido. Os dedos dela esfregavam e massageavam o clitóris, e com a outra mão, já sem mais segurar o catálogo, ela apalpava os seios por baixo do pijama. Aquela sensação selvagem e deliciosa parecia grande demais para caber dentro dela. Ela movia o corpo sem conseguir explicar, como se algo lhe sacudisse por dentro. Ela apertava os dentes e contraía o rosto. Era completa loucura, mas ela queria mais. Era como se uma nova mulher começasse a nascer dentro dela, querendo arrebentar-lhe o corpo e surgir, triunfante, poderosa, com o mundo todo sob si. Não havia explicação lógica para aquilo, e ela começava a ficar assustada, sem saber como aquilo terminaria.
Por fim, a sensação ficou intensa, grande demais para seu singelo entendimento. Era como uma represa arrebentando dentro dela, cobrindo cada pedaço de sua existência com algum néctar doce e desconhecido, que não parecia ter fim. Ela apertava os dentes e as pálpebras, enquanto o corpo inteiro era sacudido por espasmos, arqueado sobre a cama. Ela nem mais conseguia mexer os dedos e as mãos, mas o corpo inteiro continuava suspenso, imerso naquele oceano profundo e escuro, onde tudo parecia bom e perfeito. Lentamente, suavemente, ela foi retornando a si, os músculos foram relaxando, e ela repousou sobre a cama, sem fôlego, cansada, e profundamente satisfeita.
Não apenas satisfeita, mas também feliz. A única coisa que interrompeu o momento foi perceber o quão vulnerável e exposta ela ficara. Rapidamente ela pegou o papel higiênico e limpou-se (de onde viera toda aquela umidade?), vestiu de volta o pijama, largou o papel sujo no chão, guardou o catálogo sob a coberta e deitou, como se nada acontecera.
Mas ela estava feliz; feliz consigo mesma, com o próprio corpo. Aquilo era algo mágico, até então desconhecido, novo e quase exótico, que ela descobrira por conta própria. Claro, a ideia viera de Janaína, mas o ato era todo dela. Ela se sentia uma desbravadora de si mesma, não só do corpo, mas da própria identidade, da sua existência como mulher (ainda jovem, mas mesmo assim mulher). Era algo que ninguém, nunca mais, poderia tirar dela.
Por um instante ela teve vontade de olhar-se no espelho, mas era mais seguro ficar na cama.
— Sabe — Letícia disse, no dia seguinte, na casa de Janaína, enquanto esta procurava alguma gravação do disco Jack Johnson na internet —, aquilo que a gente conversou ontem…
— Aquilo o quê? A gente conversou tanta coisa ontem…
— Ah, tu sabe especificamente do que eu tô falando — Letícia disse, com um pouco de impaciência.
Janaína olhou para ela, como se quisesse ralhar. — Aquilo tem nome, sabia?
Letícia suspirou, embaraçada. — Tá bom… masturbação.
— Fala direito, guria! — Janaína protestou. — Que jeito feio de falar é esse? O certo é siririca, tá bom? Não quero saber de nome feio aqui, ora!
Letícia dava risada. Janaína tinha uma certa habilidade em fazer as coisas parecerem bem menos complicadas do que pareciam.
— Tá legal, é siririca, então — Letícia disse, sorrindo.
— Viu? Não cai pedaço! — Janaína disse, tentando não rir. — Tá, enfim, o que é que tem?
— É, sabe… eu fiz ontem.
— Ah, é? — a outra disse, com um sorriso quase exagerado. — Tá, e como é que foi?
— Eu não sei por que eu demorei tanto pra fazer isso! — Letícia disse, como num desabafo.
— Eu falei que tu não ia te arrepender!
— Não, eu não me arrependo nem um pouco! Foi… sabe, eu sei lá como foi — Letícia disse —, mas foi bom demais. E, bom… eu tenho que te agradecer por isso.
— Nem esquenta, Tita! — Janaína disse. — Isso foi pro teu bem mesmo. E agora tu vai ver, tu nunca mais vai querer parar!
— Eu só espero ter mais oportunidades…
Quanto Letícia voltou do banheiro, depois de uns cinco minutos ansiosamente esperando, o rapaz (ela já nem lembrava mais o nome dele) já havia voltado para o lugar dele. Ela se sentou na poltrona, e viu o sorriso jocoso de Janaína.
— Só tu, mesmo…
— Eu não vou mais fazer isso! — Letícia disse, irritada.
— Tá, tá bom… faz o que tu achar melhor.
Demorou um pouco até que as duas retomassem a conversa. Letícia não se sentia mais tão confortável com aquilo. Talvez fora mesmo uma má ideia ter ido lá. O tempo passava, e Roberto não dava qualquer sinal de querer ir embora. Talvez fosse até melhor, pois ele já bebera no mínimo umas três garrafas de cerveja, e estava visivelmente afetado pelo álcool. Já era mais de onze horas quando ele decidiu ligar para casa e avisar que eles não voltariam naquela noite.
— Pronto — Janaína disse, baixinho —, pelo menos agora tu sabe que não vai morrer.
— É — Letícia disse, ainda em tom de reclamação. — Talvez eu morra de tédio, só…
— Que nada, guria!
Uns vinte minutos depois, o rapaz e a menina foram embora. Eles chamaram um táxi e saíram rapidamente assim que o interfone tocou.
— Bom — Ana Paula disse, assim que os dois saíram —, eu sei que, espaço, tem pra nós quatro! Tem duas camas no quarto de hóspede. — Enquanto ela se sentava ao lado de Roberto, Letícia ergueu a sobrancelha, admirada com o fato de que havia um quarto de hóspedes. — E, bom, a minha cama é de casal.
Letícia franziu a testa, e, o mais discretamente que ela podia (ou seja, não tão discretamente assim), olhou para os dois. Ana Paula olhava diretamente para Roberto e sorria. Ele, despreocupado, olhava para a garrafa de cerveja na sua mão.
— Impressão minha — Letícia sussurrou para Janaína —, ou a Ana tá dando em cima do meu irmão?
Janaína fechou a cara. — Já faz tempo! Só tu não tinha percebido isso ainda!
Letícia sacudiu a cabeça. — Eles não vão… fazer nada aqui, né?
— Eu não posso garantir nada…
Ana Paula então levantou-se, de súbito, do sofá. — Ah! Agora que o Márcio foi embora — ela disse, correndo para o quarto. Letícia seguiu-a com os olhos, e ficou aguardando, até ela aparecer novamente, uns vinte segundos depois. — Eu tinha uma coisa reservada pra nós.
Ela se sentou no mesmo lugar de antes, e pegou um isqueiro na mesinha de centro para acender um cigarro que ela tinha na mão. Letícia logo percebeu que não era um cigarro comum.
— … não…
— Que é que foi, guria? — Janaína disse.
— Aquilo é…
— Tu nunca tinha visto um de perto?
— E eu esperava não ver nunca!
Janaína sacudiu a cabeça, sorrindo. — Essa é uma noite de grandes descobertas, Tita!
Ana Paula deu uma profunda tragada, colocando as pernas sobre o braço do sofá.
— Sacanagem esperar os dois irem embora — Roberto falou.
Ana Paula olhou para ele, e soprou a fumaça para o alto. — Tá louco? O Márcio ia pirar se ele visse isso aqui.
— E por quê?
— Ele detesta, acha errado — ela disse.
— E tu convidou ele por que, então?
— Na verdade, ele meio que se convidou. Eu convidei a Mônica, e ela acabou trazendo ele junto, quase de última hora. Se fosse por mim, tinha vindo só ela. O azar foi dela mesmo.
— Bom, fazer o quê? — ele disse, enquanto ela dava mais uma tragada. — Melhor assim mesmo.
Ana passou o baseado para ele, tossindo, por ter tragado rápido demais.
— Vixe! — ele disse. — Tu nem sabe fumar direito!
— Cala a boca — ela disse entre tosses.
Letícia preferiu não assistir a Roberto fumando. Não que isso fizesse muita diferença.
— Ah, eu tava precisando disso — Roberto disse, soprando a fumaça.
— Espero que isso te deixe um pouco mais soltinho — Ana Paula disse.
— Eu fico do jeito que eu quiser — ele respondeu.
Letícia achava quase indecifráveis as palavras que eles diziam, assim como os tons e os gestos, mas apenas torcia que eles ficassem apenas nas palavras. Ou que eles se trancassem no quarto logo de uma vez.
— Tá, e vocês, gurias — Roberto disse, estendendo-lhes o baseado depois de uma baforada.
— Tu tá é louco de achar que eu vou chegar perto disso — Letícia disse, cruzando os braços.
Janaína olhou para ela com o canto dos olhos, e depois para Roberto. — Bom, eu quero.
— Janaína!
— Fica calma, Tita — ela disse, pegando o cigarro. — Não é isso que vai me matar, né?
— Mas…
— Relaxa, guria. Tipo, tu tá te drogando com algo muito pior — ela disse, apontando para a taça de vinho na mão de Letícia.
Sem dar o braço totalmente a torcer, Letícia ficou em silêncio, percebendo que não adiantaria reclamar. Janaína deu uma tragada e soprou apenas momentos depois, com uma leveza e uma certa propriedade nos movimentos, que sugeriam que ela já fizera aquilo antes. Com algumas ressalvas, ela devia admitir que havia um certo charme incompreensível na maneira como Janaína fumava, com o olhar disperso porém aceso, o cigarro pousando entre os dedos, o rosto sereno. Letícia assistia enquanto Janaína colocava o baseado entre os lábios novamente e tragava, com os olhos fechados. Lentamente ela jogou a cabeça para trás e soprou. Sem dúvida, ela sentia prazer naquilo.
Nesse meio tempo, Roberto e Ana Paula continuavam aquele papo furado interminável. Letícia apenas notou quando ele pôs a mão na coxa dela.
— Mãozinha boba, hein? — ela disse, empurrando a mão dele para longe.
— Não vem me dizer que tu não gosta — ele respondeu, notando que Janaína oferecia-lhe o baseado, o qual ele se levantou para pegar.
— Tu anda muito presunçoso, gurizão — ela disse.
Letícia suspirou, frustrada, sacudindo a cabeça. Ela pensava que talvez fosse melhor chamar um táxi e ir para casa. Ela só não sabia o que iria explicar para o pai ao chegar em casa, sozinha, após ter avisado que só voltaria na manhã seguinte. Além disso, havia o medo de pegar um táxi à noite.
— Quanto tempo tu acha que vai demorar até eles se pegarem de vez? — Janaína sussurrou. — Eu chuto cinco minutos.
— Eu nem quero pensar nisso — Letícia respondeu, bebendo o último gole de vinho da sua taça.
— Relaxa, guria, eles tão só se divertindo. E, na boa, tu deveria tentar fazer isso também.
— Mas como?
Janaína apenas respondeu com um sorriso enigmático, enquanto ela voltava seu olhar para os outros dois. Letícia sempre ficava frustrada quando Janaína deixava as coisas não ditas, como se esperasse que ela preenchesse as lacunas. Ela era péssima nisso.
Letícia já considerava Janaína mais como cúmplice do que como apenas amiga. Elas não mantinham segredos uma da outra, e nunca havia necessidade de fingimento entre elas. Não importa o assunto que surgisse, elas sempre conseguiam conversar abertamente, mesmo discordando e discutindo, e falavam coisas que não poderiam falar com outras pessoas. O sentimento de conforto e confiança era mútuo. Letícia só não gostava muito quando Janaína insistia em falar sobre os garotos que supostamente estavam interessados nela. Ela não precisava de nada daquilo, ainda mais depois de constatar que seus dedos já lhe faziam a companhia necessária nas noites quietas. Essa descoberta já havia quase um ano.
— Tita, tu já…
Janaína pausou por um longo tempo. Ela raramente interrompia a si mesma daquela forma.
— Esquece. Eu ia falar bobagem.
— Puxa, agora eu quero saber — Letícia disse.
— Eu disse que é bobagem.
— Sim, mas agora que tu me deixou curiosa, tu não quer dizer?
Janaína suspirou, constrangida. — Eu só ia perguntar… se, por acaso, tu já pensou em ficar com outra guria.
Letícia franziu a testa. — Que tipo de pergunta é essa?
— Eu disse que era bobagem! — Janaína disse, defendendo-se.
— Sim, mas tu sabe que, por trás de qualquer pergunta, sempre tem uma intenção.
— Eu sei lá. Eu só pensei que, talvez, com toda a tua relutância com os guris, tipo… talvez tu goste é de outra coisa.
— Eu já te disse que eu não sinto falta — Letícia respondeu. — E, se guris não me fazem falta, gurias, menos ainda. Eu já tenho a minha companhia.
— Ah, mas tu também não pode achar que pode ficar na siririca pelo resto da vida! — Janaína disse. — Tudo bem que é bom, mas transar é outra coisa. E tu sabe que eu tinha razão quanto à siririca.
— Sim, eu sei — Letícia disse.
— É. E… sabe — Janaína disse —, às vezes eu imagino como seria ficar com uma guria. Tipo, eu não sei se eu faria isso, mas… eu só imagino se seria bom.
— Eu prefiro não saber.
— Por quê? Tu tem preconceito?
— Não é preconceito! É só porque eu não tenho interesse, tá legal?
Janaína pausou por um momento. — Então, se eu ficasse com outra guria, tu não acharia estranho?
Letícia deu de ombros. — Eu não teria por quê. Tu tá interessada em alguém?
— Não, não — Janaína disse, com uma vaga hesitação. — Tipo, é só imaginação minha, mesmo.
— Ah, tá — Letícia murmurou, baixando a cabeça. — É… tu não me trocaria por uma guria, se fosse esse o caso, né?
— Te trocar? Não fala besteira, guria! — Janaína disse. — Eu nunca vou te trocar por ninguém. Tu é a minha amiga pra sempre.
Letícia não estava preparada para ouvir essas últimas palavras, ainda mais ditas assim, de um jeito tão casual. Em um instante, ela percebeu o quanto ela precisava ouvir aquilo de sua melhor amiga. Eis que, de repente, ela se pôs a chorar, em soluços convulsivos. Ela pôs as mãos no rosto, como se quisesse esconder-se do mundo.
— Guria, o que foi? — a outra disse, em repentino choque.
Letícia quase não conseguia coordenar os movimentos por causa do pranto. — Eu não aguento mais, Nana! Eu não aguento!
— Não aguenta o quê? — Janaína disse, ainda mais preocupada, abraçando-a firme. — Me diz, amor!
Letícia apenas chorou no ombro da amiga, tentando recuperar o controle sobre si, deixando a respiração lentamente voltar ao normal. Janaína segurou-a nos braços, acariciando-lhe os cabelos.
— Meus pais — Letícia disse. — Eles não param de brigar. É todo dia.
— Ai, Tita, não me conta isso — Janaína disse, com um nó na garganta. — Eu não sabia que tava desse jeito.
— Todos os dias, quando eles tão em casa, eu sei que eles vão se pegar. Sempre aquela gritaria, aquela baixaria. Parece que fica cada vez pior. Eles não se suportam mais, entende?
— Que horror, querida. Isso deve ser tão horrível…
Letícia afastou-se, enxugando o rosto, soluçando. — Tu sabe que eu nem sei quem é o pior. A minha madrasta, tipo, ela nem é a minha mãe nem nada… Mas eu não odeio ela. Também não gosto, mas eu não tenho nada contra ela. E o meu pai… sabe, parece que ele provoca de propósito, entende? Parece até… — Ela apertou os olhos, tentando reprimir o pranto. — Parece que eles sentem prazer em brigar. Mas eles não pensam em mim? Eles não sabem como isso dói?
— Eu não sei, Tita — Janaína disse, afagando-lhe os cabelos. — Eu não imagino como deve ser pra eles ficar nessa situação, assim. Mas não justifica isso, não. Isso não se faz contigo e com o Beto.
— Eu sei.
— E por que eles brigam?
— Por tudo! — Letícia disse. — Por dinheiro, pelo que eles fazem, por estresse… até por nossa causa. A mãe diz que eu sou uma desligada, que eu não presto atenção nas coisas, que eu não tô nem aí, e o meu pai fica puto. E, sabe, ela até tem razão, mas… puxa, eu não sei o que fazer pra melhorar! Ela não conversa comigo, e ao invés disso só reclama pra ele.
— Bah, nossa, Tita! E tu disse que tu não tem nada contra essa mulher?
— … é… tipo, eu não acho que ela faça isso por mal.
— Mas se ela tem algum problema contigo, tipo, ela deveria tentar resolver! — Janaína disse. — Não importa que ela seja só a tua madrasta. Se ela escolheu isso, ela tem que lidar, ué!
— Eu sei lá — Letícia disse, dando de ombros.
— E o Beto? Como é que ele fica?
— Eu acho que ele não dá muita bola. Pelo menos ele nunca falou nada comigo.
— E tu, tentou falar com ele?
— Não.
— Então talvez ele esteja sofrendo também e tu não saiba — Janaína disse.
— Eu não sei — Letícia disse. — Ele é diferente de mim. Talvez ele nem dê a mínima, ou ele aprendeu a tolerar.
— Talvez tu devesse conversar com ele.
Letícia suspirou. — Eu tenho vergonha de falar sobre isso, entende? — ela disse, com os olhos voltando a ficar úmidos. — Tipo, menos contigo. Às vezes eu acho que tu é mais minha irmã do que o próprio Beto.
— Ah, que é isso, Tita! — Janaína disse, abraçando-a. — Tá certo que eu te adoro, mas ele viveu quase a vida inteira contigo.
— É, mas… a gente não é tão próximo — Letícia disse. — Eu não escolhi ser irmã dele, ou meia-irmã ou o que seja. Mas tu, eu quero que tu seja minha amiga. Eu gosto de ti de verdade.
Janaína pausou por um instante. — Bah, nossa… Eu só te digo que, se algum dia tu achar que precisa ficar longe de casa, tipo, nem que seja por um fim de semana, a minha casa tá aberta pra ti, tá bom?
Letícia chorou, mas dessa vez não por sofrimento. Com a cabeça caída no ombro de Janaína, ela a abraçava, meio sem força.
— Meu pai não vai se incomodar, e tem espaço pra ti no meu quarto. Sempre que tu achar que precisa, é só falar comigo.
Segurando um pouco as lágrimas, Letícia se afastou e olhou para a amiga. — Será que pode ser nesse fim de semana agora?